A jovem amazônica que luta pelas florestas e pelos direitos LGBT
Dani, uma ativista para a preservação da floresta brasileira, é a protagonista de um dos capítulos da série 'Rainforest Defenders', que apresenta o retrato de cinco líderes que defendem seu território
Tapajós (Brasil)
FOTOS E VÍDEO: PABLO ALBARENGA
Dani é uma jovem ativista ribeirinha de 21 anos. Mas, para se tornar o que é hoje, Dani fez um exercício difícil e corajoso de busca de identidade que não é fácil de entender se não se leva em consideração o contexto em que ocorreu. Muitas das comunidades que habitam as margens do rio Tapajós, assim como em muitos outros assentamentos ao longo da imensa bacia amazônica brasileira, são definidas como ribeirinhas.
Os ribeirinhos abrangem a diversidade étnica de seus habitantes, resultado da mistura entre povos indígenas, afrodescendentes e brancos de origem europeia, especialmente ibérica, em múltiplos cruzamentos interétnicos ao longo do tempo. Atualmente, identificar-se como indígena é uma questão de auto afirmação, mas em muitas comunidades, ao longo deste afluente abundante da Amazônia, a mistura é tão antiga e dinâmica que chega a ser impossível escolher um grupo étnico a qual pertencer.
Mas quando o território é ameaçado pela mineração, madeireiras, agronegócio e apropriação de terras sem título, muitas comunidades têm feito esse exercício de auto- demarcação do território, demonstrando que ocupam esses territórios por tempo suficiente para reivindicar suas terras através do Estado. Conseguir a titulação das terras é a única garantia para evitar ser expulso delas, geralmente por empresários que exploram os abundantes recursos naturais que a região possui.
Outra forma eficaz de proteger populações nesses territórios tem sido a declaração de Unidades de Conservação, sejam elas reservas permanentes (como Reservas Biológicas ou Parques), ou Reservas de Usos Sustentáveis (como reservas extrativistas - RESEX ou as Florestas Nacionais - FLONA). Em uma dessas FLONAS se encontra a comunidade da Prainha, hoje dividida entre Prainha 1 e Prainha 2. Talvez a remoção da ameaça externa por meio da proteção relativa proporcionada por morar dentro de uma Floresta Nacional permita que a comunidade se concentre em assuntos internos como o que os levou a se instalarem em duas comunidades diferenciadas.
E é na comunidade da Prainha 2 que conhecemos Dani, essa corajosa jovem que realizou um intenso exercício de busca de identidade. Um exercício que a levou ao reconhecimento da sua identidade homossexual, há muito oculta, reprimida diante da família, da comunidade e também da igreja.
Para Dani, realizar este exercício de reconhecimento dentro da comunidade foi praticamente impossível por muito tempo. Além da presença importante de igrejas evangélicas conservadoras, que se espalharam de forma muito eficaz em todo o Brasil (no caso da Prainha 2, é a Igreja Adventista do Sétimo Dia), existem estruturas culturais tradicionais através das quais a sexualidade é firmemente controlada, transformando a exploração de qualquer caminho alternativo, em algo praticamente inviável. A distribuição de papéis entre gêneros é assimétrica e o controle do vínculo sexual e reprodutivo através do casamento, muito forte. Nesse ambiente, a violência e o abuso sexual são fenômenos frequentes entre grupos e comunidades, que são soterrados pelo silêncio e ocultação.
Nesse contexto, a jornada de Dani, vítima de violência sexual na infância, tem sido muito difícil. Mas é através do seu envolvimento com um grupo de jovens ativistas, coordenados pela associação de jovens ambientalistas Engajamundo, que Dani encontrou o espaço de liberdade para expressar livremente sua homossexualidade. Reconhecer-se publicamente como membro da comunidade LGBT+ tornou-se uma questão de empoderamento e uma forma de demonstrar seu compromisso com essa e outras causas importantes para a comunidade.
"Minhas lutas aqui não são poucas", diz Dani. "Em primeiro lugar, a luta pela preservação da área de conservação da qual faz parte a FLONA em que vivemos, que é cercada por ‘sojeiros’. Em todos os lugares temos a poluição do agrotóxicoe o avanço do grande sojeiro, que já ameaça várias comunidades vizinhas. “A nossa primeira luta é proteger essa área maravilhosa, onde possamos viver".
"Mas também estou envolvida em outra luta", continua Dani, com determinação. "Que é a luta pela sexualidade, um tema que não é abordado nas comunidades, nem na escola ou nas famílias. Aqui era impossível assumir, por meus próprios meios, o fato de ser lésbica. Por sorte consegui fazer isso através de um exercício em que exploramos outras formas de luta, e pude trazer essa discussão à escola onde estudei aos 16 e 17 anos. Foi o período em que mais sofri, sofri nas comunidades, sofri na escola, sofri na família”.
"Até pouco tempo atrás, me sentia uma pessoa incapaz, me sentia um lixo", diz Dani com a emoção que a lembrança do sofrimento traz. "Eu sentia que não era ninguém, parecia um saco abandonado. Eu não era ninguém, mas ninguém mesmo". Passar da repressão, frustração, depressão e tentativas de suicídio ao orgulho de se reconhecer foi um passo decisivo na vida de Dani, hoje uma orgulhosa militante da causa LGBT+. "O fato de poder bater no peito e dizer que sou uma inspiração para os outros é um orgulho. Um jovem disse outro dia, ‘vou fazer o que a Dani fez’. Isso foi um grande privilégio para mim. Uma felicidade".
Para essa jovem miúda, mas desafiadora, a ligação entre a luta pela sexualidade e a causa ambiental da defesa do território é muito clara. Ambas as lutas são muito difíceis nessas comunidades do baixo Tapajós: "Se eu tiver força para combater os preconceitos contra a sexualidade, terei forças para combater a invasão das grandes explorações da soja que devoram as florestas, que desafiam as comunidades e que rodeiam a nossa FLONA, ameaçando sufocá-la".
Se tenho a força para combater os preconceitos com relação à minha sexualidade, terei força para combater a invasão das grandes lavouras de soja que devoram a floresta
Para Dani, ambas as causas estão intimamente ligadas entre si. "Porque agora sou resistente, ela diz. "Se consegui resistir à repressão da minha sexualidade, eu posso resistir à invasão do meu território pelos sojeiros. Isso eu tenho claro”. E é essa ligação entre a existência e a resistência que encontramos entre esses jovens ativistas, sejam eles ribeirinhos, indígenas ou quilombolas, ao longo do rio e no interior da floresta.
Dani é muito lúcida na descrição do processo de conscientização dessas comunidades amazônicas, longe dos centros urbanos e relativamente isolados, autônoma em sua operação – tanto contra as ameaças de invasão do território e do meio ambiente, quanto contra seus sistemas sociais fechados, dominados por estruturas tradicionais vindas de longe.
Mas entre todas as ameaças descritas e percebidas, Dani está ciente de que a maior de todas elas vem da situação política resultante da eleição, em novembro passado, do novo presidente do país, Jair Bolsonaro: "Hoje, o que dá medo é o momento político do Brasil. Nesse momento, tenho medo de sair de casa por causa de algumas pessoas, por causa do preconceito dominante. Eu posso sair de casa um dia e posso não voltar ou sair de casa andando e voltar em uma cadeira de rodas. Esse é o meu maior medo".
Bolsonaro deixa claro que ele acredita que devemos acabar com os ativistas, porque são eles os que aumentam a conscientização sobre os enormes danos que a economia predatória e o desmatamento maciço estão causando em vastas áreas da Amazônia. Agora que fazendeiros, ruralistas e grandes empresas sentem que têm carta branca garantida pelo novo governo, podem causar um grande desastre.
Bolsonaro também tem certeza de que acabar com os ativistas que defendem seus direitos - sejam eles povos nativos, cuja arma é sua autoafirmação indígena ou a defesa da sua afrodescendência ou a causa LGBT+ - é acabar com o germe de toda a resistência ao seu projeto destrutivo. Casos recentes de agressão contra pessoas LGBT+ nas ruas das cidades brasileiras, como foi o caso de Luana Trans em Santarém, estão gerando uma atmosfera muito perigosa de violência contra esses grupos, fazendo com que o medo ganhe espaço enquanto as liberdades são diminuídas com rapidez.
Bolsonaro manifestou claramente sua intenção de frear aos ativistas porque são eles os que se levantam ante enormes danos que a economia depredadora e a desflorestação em massa vêm causando na Amazônia
Antes de participar de ações com os demais ativistas da região, Dani, na solidão de seu desamparo, entrou em uma dinâmica autodestrutiva muito perigosa. Ser reconhecida é o que agora lhe confere uma força indomável que ela projeta, não apenas na luta contra a homofobia, mas também contra o racismo e a violência sexual, que vêm se unir à causa ambiental diante das ameaças do agronegócio.
A obsessão de Bolsonaro em combater esses ativistas lhes dá exatamente o direito de persistir em sua luta, mais do que nunca. Sem sua ação corajosa no território; homofobia, racismo, violência de gênero, violência contra minorias e a economia predatória sem escrúpulos, não teriam limites. Dani está aqui para nos lembrar disso.
Este artigo pertence à série Rainforest Defenders, um projeto de openDemocracy / democraciaAbierta em colaboração com Engajamundo Brasil, com o apoio do Rainforest Journalism Fund do Pulitzer Center.
*Tradução ao português: Manuella Libardi.
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